A economia brasileira convive no curto prazo com um cenário que se costuma apelidar de “goldilocks”. Taxa de inflação menor do que o limite inferior da meta do Banco Central para 2018 e a mais baixa em vinte anos; melhoria significativa da percepção de risco do país, refletida na queda do spread do CDS de 5 anos em mais de 350 pontos relativamente ao final de 2015; taxa Selic historicamente baixa; preços das ações em alta, o Ibovespa superou os 85.000 pontos; ganhos na relação de trocas com o exterior; aumento do emprego e expectativas de expansão do PIB real convergindo para 3%.
Estamos sim melhores do que há dois anos, porém olhando um pouco mais à frente o cenário não parece ser tão glamouroso quanto aparenta.
Para começar, vale lembrar que dentro de alguns meses teremos eleições gerais, sendo a elevação de incertezas típica da época que as antecedem, dado o potencial que tem um novo governo para promover mudanças boas ou ruins na política econômica. O provável aumento de incertezas que tende a se manifestar num futuro bem próximo costuma implicar volatilidade de preços de ativos financeiros, postergação de investimentos, compras de bens de consumo durável e realocação de recursos dentro e entre empresas, o que tenderá a arrefecer o ritmo da recuperação.
Apesar de algumas iniciativas positivas da atual administração, sérios desafios permanecem: grave problema de segurança pública, com o crime organizado se consolidando nacionalmente, desequilíbrio fiscal persistente, relação dívida pública/PIB em trajetória explosiva e três décadas de desempenho medíocre da produtividade.
Como revela a experiência do Rio de Janeiro, a falta de segurança afeta negativamente o crescimento do emprego e do produto real. O combate ao crime organizado demanda gestão eficiente e recursos para modernizar e equipar a polícia que um Estado debilitado financeiramente encontra dificuldades para suprir.
A dívida e o déficit público sugam recursos que seriam destinados ao investimento privado, afetam desfavoravelmente as expectativas inflacionárias, são fontes de geração de incertezas sobre o futuro e nos deixam muito vulneráveis diante de um choque externo. A tolerância dos mercados financeiros com a magnitude do endividamento público do Brasil, o mais elevado entre as principais economias emergentes, chegará ao fim se o próximo governo não sinalizar rapidamente a realização de forte ajuste fiscal. Pior ainda se isso coincidir com uma alta não antecipada das taxas de juros internacionais.
Durante a recuperação de uma recessão é relevante distinguir o componente estrutural do cíclico, em outras palavras, o crescimento que é sustentável no longo prazo do que é meramente um fenômeno transitório, o popular “voo da galinha”. Essa é uma razão adicional para ser mais cauteloso e dar um bom desconto no grau de otimismo.
As estimativas da taxa de crescimento potencial da economia brasileira se situam ao redor de 2% ao ano e não existem motivos fortes o suficiente para que possamos esperar algo melhor. Ao contrário, mantidos os níveis recentes de taxa de investimento e produtividade, existe tendência de razoável desaceleração do crescimento econômico na próxima década face ao declínio do aumento da força de trabalho, determinado pelo fim do bônus demográfico.
Estudo divulgado recentemente pelo Banco Mundial, “Empregos e Crescimento: a Agenda da Produtividade”, evidencia claramente que para produzirmos crescimento econômico sustentável e inclusivo, com redução de pobreza e melhoria dos padrões de vida, é essencial a realização de profundas reformas microeconômicas. Temos mercados financeiros ineficientes, economia fechada ao comércio internacional, barreiras à competição interna, sistema tributário extremamente complexo, infraestrutura insuficiente e de má qualidade e regulações excessivas e inadequadas.
Compondo o panorama de distorções promotoras do atraso, está um número considerável de estatais, o que implica a manutenção de muitos bilhões de dólares de capital alocado. Como são muito raras as empresas em que o Estado é o “natural owner”, o investidor capaz de extrair o máximo de retorno de seus ativos, trata-se de enorme desperdício de recursos da sociedade.
Tais desafios não são triviais e terão forçosamente de ser enfrentados pelo Executivo e Congresso eleitos neste ano.
A sociedade e os políticos não podem ceder à tentação fácil de postergar a abordagem das questões mencionadas diante do bem-estar fugaz proporcionado por uma recuperação cíclica. Nem tampouco podem se deixar levar pela pregação populista de que ajuste fiscal e reformas estruturais prejudicam os mais pobres e/ou “desnacionalizam” a economia. Pelo contrário, elas beneficiam os mais pobres e fortalecem a economia brasileira.
O regime populista mostrou-se praticamente um jogo de soma zero, representado por distribuição de renda a favor de uma minoria, parte dela via privilégios e corrupção, e lento crescimento econômico – nos últimos 35 anos o PIB real per capita teve crescimento pífio, de apenas 0,7% ao ano.
Precisamos fazer o que temos adiado por muitos anos, realizar um ajuste duradouro do orçamento público, o que significa reformar a previdência social e a máquina pública, eliminar isenções fiscais e subsídios de crédito. É imperioso reformar o sistema tributário, abrir a economia para o comércio internacional, privatizar estatais e criar ambiente favorável para o investimento privado.
O projeto de transformação do Brasil numa economia mais competitiva e inclusiva possui elevado retorno social esperado no médio e longo prazos. Simultaneamente, os que liderarem sua implementação no Executivo e Congresso extrairão grandes benefícios políticos.
Tentar prolongar o regime populista em busca de ganhos fáceis no curto prazo conduzirá ao fracasso econômico e aumento do descrédito dos políticos pela população, resultados muito prejudiciais à preservação da democracia.
Texto originalmente publicado pelo site Valor Econômico.