Property and law are born and must die together.
Before the laws, there was no property:
take away the laws, all property ceases.
Jeremy Bentham
Principles of Civil Code, 1843.
1. Introdução
Um dos eventos mais importantes na história da humanidade é a revolução individualista que pôs fim à Idade das Trevas. Curiosamente, essa revolução desenvolveu-se no seio da Igreja Católica a partir da revisão da interpretação do Gêneses: como o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, e Deus é o criador, cabe ao homem, no exercício de sua humanidade, criar. Para criar o homem precisa ser livre para questionar: a razão contemplativa da Idade Média dá lugar à razão experimental de Descartes. A Reforma religiosa reforça o individualismo: não é a congregação que conduz o homem a Deus, mas sim a leitura reflexiva das sagradas escrituras. A concepção individualista se desenvolve na compreensão da sociedade: na política com o contrato socialde Hobbes e na economia com a mão invisívelde Adam Smith.
A sociedade moderna é individualista e fragmentada pelo pluralismo. É complexa e dinâmica, com evolução acelerada, marcada pela inovação tecnológica e pela redução dos custos de transação. Dono de seu próprio destino, o homem livre enfrenta um futuro incerto. O pluralismo decorrente do individualismo, a propriedade privada e a liberdade de agir em seu próprio interesse sob o império da lei promovem a administração da escassez pelo mecanismo de mercado livre. Entretanto, tal pluralismo torna difíceis as decisões coletivas em qualquer sociedade. O convívio pacífico neste contexto social exige, nas decisões coletivas, o convencimento pela razão. A democracia é inevitável. Assim, a essência da sociedade moderna reside em uma ordem social que preserva a individualidade e a liberdade do homem.
Em uma sociedade onde a liberdade, os direitos individuais e os direitos de propriedade são genericamente reconhecidos e respeitados, o sistema livre de mercado aloca de forma eficiente seus recursos escassos. Esta eficiência tem sido representada pela imagem da mão invisível usada, há pouco mais de duzentos e quarenta anos, por Adam Smith. Entretanto, a promoção do bem-estar social pelo mercado livre só é possível sob certas hipóteses restritivas. A violação destas hipóteses, no mundo real, tem provocado uma reação contrária às possíveis benesses advindas do mercado livre sob o pretexto de que no mundo real tais hipóteses não se verificam.
Contrariamente à posição destes “realistas” as chamadas falhas do mercado livre não nos conduzem a propalar a intervenção estatal como meio de promoção do bem-estar social. Estas falhas sim, nos levam a delimitar a ação do Estado, numa sociedade com as características mencionadas acima, de modo a se preservar a liberdade sem prejuízo para o nível de bem-estar social.
Neste contexto, caberia ao Estado:
- a promoção e manutenção do Estado de Direito (ordem constituída), por meio de leis e regulamentos e da administração da justiça[1];
- a produção em certos casos e, de um modo geral, a promoção de financiamento da produção de bens públicos, isto é, bens cujo consumo por parte de um indivíduo não reduz o consumo de outrem (como por exemplo, segurança nacional);
- a promoção de bens com elevado grau de externalidades como por exemplo, segurança pública, educação primária e saúde pública.[2]
Muitos cientistas sociais incluem nesta lista de atribuições do Estado o provimento e a administração de uma moeda de curso forçado. Entretanto, como bem demonstrou Hayek (2011), prêmio Nobel de Economia em 1974, melhor seria, em termos de eficiência e liberdade, que o cidadão pudesse escolher qual moeda utilizar entre as várias oferecidas por agentes privados. De modo a manter o foco deste trabalho, circunscrito à administração de ações coletivas pelo governo, a existência e a funcionalidade de moedas concorrentes em uma mesma sociedade não serão consideradas.
Deste modo, para cumprir sua missão de administrar a ação coletiva dos indivíduos, o governo extrai, de forma compulsória, recursos produtivos dos cidadãos por meio de impostos, taxas, contribuições e até regulamentação.
É comum a afirmação de que a carga tributária que incide sobre o brasileiro é elevada. Há consenso de que as instituições fiscais do Brasil são complexas, há muitos impostos, taxas e contribuições, a burocracia é sufocante e a administração pública é pouco eficiente.
Há na ciência econômica duas aproximações complementares para a análise do setor público em uma sociedade: finanças públicas e a escolha pública. Finanças públicas, como estudo sistemático de impostos, tem sua origem no Livro V da Riqueza das Nações de Adam Smith. Os princípios da habilidade de pagamento e do pagamento do imposto pelo benefício recebido, assim como as questões de eficiência do sistema tributário que consideravam tanto o custo administrativo do sistema quanto os efeitos alocativos dos impostos e seus impactos sobre o bem-estar, ainda podem ser encontrados nos textos modernos de finanças públicas. Nesta área, o trabalho de Richard A. Musgrave foi determinante para o estabelecimento de Finanças Públicas como uma disciplina importante da ciência econômica.
A escolha pública considera o financiamento de bens públicos – os quais são caracterizados como bens obtidos pela ação coletiva dos indivíduos – incorporando à análise o processo político e as instituições fiscais, particularmente o orçamento público. Não é possível mencionar a escolha pública sem identificar James M. Buchanan, prêmio Nobel de Economia em 1986, como seu principal artífice. O uso do instrumental analítico da escolha pública no estudo da realidade fiscal permite uma melhor compreensão das questões tributárias além de evitar comparações entre medidas estatísticas (carga tributária) que, quando consideradas, desviam a atenção das pessoas dos aspectos fiscais realmente fundamentais. A abordagem da questão tributária que se segue está calcada na escolha pública.
Imposto e tributo são palavras usadas como sinônimos e estão comumente associadas a governo e bem público. Entretanto, a história nos ensina diferentes lições. Primeira, que impostos e tributos são anteriores às sociedades ocidentais[3]. Segunda, que impostos incidem sobre pessoas e tributos sobre grupos derrotados nas guerras. Terceira, que impostos nem sempre foram monopólio do governo; na Europa Ocidental durante vários séculos (principalmente do século XI ao século XVII), além do rei, os nobres e a Igreja confiscavam parte dos recursos do povo por meio de impostos. Quarta, que impostos e tributos estão associados à burocracia e a poder discricionário. Quinta, que os interesses da burocracia e da administração pública são sustentados pela carga tributária, embora o bem público seja o argumento usado para justificar impostos ou aumentos de impostos. Sexta, que com a emergência da sociedade moderna – fundada na liberdade individual, na economia de mercado, organizada politicamente como democracia sob o estado de direito, – os impostos perderam sua característica unilateral para se tornarem objeto de decisão coletiva[4].
O indivíduo, em face da escassez, deve escolher como usar seus recursos entre as diversas alternativas possíveis. Suas escolhas, em um contexto social, são de duas naturezas: privada e pública. As decisões individuais de natureza privada se referem às escolhas de responsabilidade única do indivíduo, mas limitadas pelas instituições sociais tais como leis, regulamentos, direitos de propriedade. A ciência econômica sugere que em suas escolhas individuais o homem age racionalmente, isto é, maximiza seu bem-estar comparando, na margem, os custos aos benefícios de cada uma de suas ações. Embora irrealista, o modelo de comportamento individual desenvolvido pela ciência econômica tem tido sucesso na explicação da ação humana, bem como na antecipação dos resultados desta ação. Toda ação humana em mercado livre é de natureza privada. Entretanto, nem todos os custos ou benefícios gerados pela ação individual ficam circunscritos a este indivíduo.
Quando, respeitadas as instituições sociais, a ação individual afeta terceiros, alterando seus custos e/ou benefícios, os economistas dizem que ocorreu uma externalidade. Em um sistema econômico de livre mercado, externalidades têm sido identificadas como uma falha do mercado na promoção da eficiência econômica, isto é, extrair dos recursos escassos o maior bem-estar possível para os indivíduos, sejam eles consumidores ou produtores.
Além das externalidades, as falhas de mercado estão associadas: a indivisibilidades que, em geral, resultam de problemas técnicos na produção ou distribuição do bem em questão; à existência de bens públicos, isto é, bens cujo consumo por parte de um indivíduo não reduz o consumo deste mesmo bem por qualquer outro indivíduo no mesmo momento, nesta mesma sociedade e, à existência de bens de propriedade comum, isto é, bens que pertencem não a um indivíduo ou a um pequeno grupo de indivíduos, mas a uma grande coletividade. Há ainda, como muitos economistas consideram como falha de mercado, a assimetria de informação. Entretanto, por natureza, qualquer que seja a informação ela não produz o mesmo conhecimento para diferentes indivíduos. Assim, assimetria de informação não será tratada como falha de mercado. Consideremos, separadamente, cada uma das quatro falhas de mercado aqui consideradas.
De um modo geral, externalidades ocorrem pela impropriedade na definição dos direitos do indivíduo, como no caso de poluição do ar ou da água. Em algumas situações a imposição de normas e regulamentos pode proteger o meio ambiente da ação poluidora dos indivíduos. Sem dúvida, há aqui um papel importante para uma ação coletiva.
As indivisibilidades no processo produtivo decorrem de problemas tecnológicos. Assim as sociedades têm utilizado o conceito de monopólio natural para contornar tal dificuldade. Monopólio natural é um monopólio concedido, a um único produtor, pela sociedade (muitas vezes pelo governo), porquanto a obtenção do bem em questão, pela ação de vários produtores, devido à indivisibilidade, ocorreria a custos maiores do que aquele de monopólio. Esta é a razão para se ter uma única empresa distribuindo água em uma cidade. A infraestrutura de transporte da água (toda a tubulação) é indivisível. A existência de mais de um fornecedor implicará em tubulações paralelas, e, portanto, a obtenção deste serviço se dará a um custo para a sociedade, muito mais elevado do que no caso de monopólio.
Bens públicos, contrariamente a um bem de natureza privada, ainda que comuns na sociedade, representam, na realidade, uma falha de mercado em termos de eficiência alocativa pela não produção do bem. O principal problema associado ao bem público é o de financiamento de sua produção. Um bem privado, batata, por exemplo, é financiado pelo mercado. Os compradores do bem pagam pelo seu consumo que, uma vez apropriado por um indivíduo, impede qualquer outro de consumi-lo. Um quilo de batata que eu compre não pode ser comprado por qualquer outra pessoa. A ação livre dos produtores e dos consumidores do bem privado é suficiente, por meio dos mecanismos de preço, para direcionar os recursos necessários à produção do bem na quantidade que a sociedade deseja. No caso do bem público, o problema como mencionamos, é de como financiar sua produção uma vez que sendo produzido, todos os membros da sociedade, indistintamente, têm acesso ao bem público[5].
Ruas, praças, jardins, praias, rios, lagoas, são alguns dos exemplos de bens de propriedade comum. A existência destes bens apresenta algumas dificuldades para a promoção do bem-estar em uma sociedade, precisamente porque nestes casos o direito de propriedade é mal definido. Congestionamento de tráfego, exploração predatória do meio ambiente são alguns exemplos dos problemas gerados pela existência de bens de propriedade comum. Ainda que eu não queira as ruas do Rio de Janeiro me pertencem, embora eu não possa exercer livremente meu direito de propriedade sobre elas porquanto são de propriedade comum. Posso ir e vir livremente, dependendo da hora e a um certo risco, pelas ruas e todos reconhecem esse meu direito. Entretanto, não tenho exclusividade ou a possibilidade de transferir esse meu direito para outrem.
A existência de falhas de mercado nos leva a uma qualificação fundamental para as considerações sobre promoção do bem-estar. Em uma sociedade onde se valoriza a liberdade e se preserva os direitos fundamentais do homem, definindo-se apropriadamente os direitos de propriedade, a ação privada e livre dos indivíduos no mercado produz o maior bem-estar possível. Isto é, o problema da escassez é administrado da melhor maneira possível. Ora, se a sociedade atinge deste modo o maior bem-estar possível, o sistema livre de mercado sob o estado democrático de direito, é a melhor forma de se promover o bem-estar dos indivíduos. Entretanto, devido às falhas de mercado, a melhor qualidade de vida atingível se dará pela obra do mercado livre conjugada com uma ação coletiva economicamente eficiente, isto é, os bens e serviços promovidos por esta ação coletiva são obtidos a custos menores do que se, exclusivamente, promovidos pela ação individual privada. Isso nos conduz à discussão sobre o papel das decisões coletivas na promoção do bem-estar.
A pluralidade da sociedade moderna requer o estabelecimento de um processo decisório que represente a ação coletiva dos indivíduos autônomos e livres. O sistema político congrega as instituições que viabilizam a ação coletiva. Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de um sistema político para institucionalizar as decisões coletivas. A racionalidade individual levaria a sociedade de anjos às escolhas públicas mais eficientes.
Como as demais instituições sociais, o sistema político deve ser estável para que o processo de decisão coletiva seja aprendido por todos os indivíduos. Por estabelecer regras claras para decisões coletivas as instituições políticas permitem que cada indivíduo identifique tanto os custos quanto os benefícios que lhe cabem em decorrência de tais decisões. É indispensável, entretanto, que na sociedade moderna, aqui caracterizada, as instituições políticas preservem e protejam a propriedade privada e as liberdades e direitos individuais. Por certo, mudanças institucionais podem ocorrer em uma sociedade, mas no curto prazo as decisões individuais, quer sejam elas de natureza privada ou coletiva, estão subordinadas à organização institucional da sociedade. Deste modo, a ordem institucional de uma sociedade afeta o bem-estar e a prosperidade dos indivíduos[6]. Especificamente, a concepção do sistema político tem impacto sobre os custos e os benefícios apropriados pelos indivíduos em decorrência de decisões coletivas.
Assim, em uma sociedade moderna, na qual prevalecem a economia de mercado, o estado de direito e a democracia política, cabe ao indivíduo, sob um marco institucional estável, alocar seus recursos entre suas ações privadas e coletivas[7]. A natureza humana, entretanto, requer instituições fiscais que possam transferir recursos do indivíduo para o sistema político de modo a viabilizar as ações coletivas: impostos são inevitáveis. Portanto, em um sistema político verdadeiramente democrático, impostos não retiram do indivíduo o poder de decidir como alocar seus recursos entre bens privados e coletivos, apenas restringem suas escolhas.
Porque as instituições fiscais afetam as decisões individuais, as pessoas precisam estar informadas sobre as novas restrições que tais instituições representam para suas escolhas. Como o indivíduo não é onisciente, ele usa parte de seus recursos para obter informações para melhor fazer suas escolhas. Quanto mais claras forem as instituições fiscais, menor será o custo de escolha incorrido pelo indivíduo em face da existência de impostos. Por outro lado, quanto mais complexa for a instituição fiscal, maiores serão os custos incorridos pelo indivíduo na identificação dos custos e dos benefícios apropriados por ele em decorrência do imposto. Neste sentido, o orçamento público é uma peça importante para a eficiência da instituição fiscal.
A dificuldade na identificação do impacto da instituição fiscal sobre as escolhas individuais, e consequentemente sobre os custos e benefícios dos impostos apropriados pelo indivíduo, apresenta alguns problemas. A complexidade da instituição fiscal implica em maiores custos de informação para os indivíduos, provocando desperdício de recursos escassos.
Suponha que um indivíduo tenha de pagar R$ 100 de impostos. Entretanto, ao contratar serviços especializados em orientação fiscal devido à complexidade das normas, o indivíduo pode reduzir seu imposto a pagar. A racionalidade econômica levará o indivíduo a contratar tais serviços até que o custo na margem de poupar R$ 1 de imposto seja igual a R$ 1. Esta não é uma situação hipotética. Na realidade, consultores fiscais prosperam em quase todas as sociedades que dispõem de instituição fiscal sofisticada. Além disso, o exemplo ilustra a escolha individual entre alocar recursos para ação privada (consultor fiscal) ou coletiva (imposto). Claro está que quanto maior a carga tributária incidente sobre um indivíduo, maior será seu estímulo para usar os serviços de consultor fiscal de modo a transferir menos recursos para as ações coletivas.
Por vezes o indivíduo não consegue identificar os benefícios que a ação pública lhe proporciona. Isso pode ocorrer por várias razões: a instituição fiscal é complexa, grande parte dos benefícios foi apropriada pelo indivíduo no passado ou será apropriada no futuro, ou ainda, o indivíduo valoriza o que recebe de benefícios pela ação coletiva muito abaixo do total de imposto a ser pago por ele. A não identificação dos benefícios gerados pela instituição fiscal ou a percepção de que a carga tributária é relativamente elevada podem estimular a sonegação.
Como sonegar impostos é crime passível de punição, pode-se argumentar que o cidadão está para a autoridade fiscal assim como a vítima está para o assaltante. Se somos forçados a pagar R$ 100 de impostos, temos menos cem reais para satisfazer nossos desejos. Se somos forçados por um assaltante a entregar-lhe R$ 100, exceto pelo custo psicológico, nas duas situações o resultado é o mesmo: temos menos cem reais para satisfazer nossos desejos.
A diferença entre o assaltante e a autoridade fiscal depende das instituições política e fiscal. Quando a sociedade está organizada politicamente em um estado democrático de direito e a instituição fiscal é eficiente, com regras claras para as decisões coletivas – regras estas que permitam a participação efetiva dos indivíduos – a autoridade fiscal é o bom ladrão. Ela é simplesmente intermediária, facilitadora da ação coletiva dos indivíduos. Neste caso os impostos existentes refletem a escolha dos indivíduos na alocação de seus recursos entre ações privadas e coletivas. Contrariamente, quando a instituição política concentra poder e a instituição fiscal é confusa, contraditória e arbitrária, a burocracia se fortalece e assume o papel do mau ladrão, isto é, do assaltante. Neste caso, os impostos não refletem as escolhas dos indivíduos e o orçamento público reflete os interesses dos detentores do poder político.
Tanto o bom quanto o mau ladrão, são casos extremos. Cada sociedade com suas instituições próprias estará, em um determinado momento, mais próxima de um ou de outro. Assim, talvez seja mais produtivo, ao invés de examinarmos a carga tributária, nos perguntar se nossas instituições nos colocam ao lado do mau ou do bom ladrão.
O processo democrático autêntico exige mecanismos de proteção ao indivíduo. A caracterização e proteção dos direitos individuais, bem como a imposição de limites à regra da maioria, são incorporadas à instituição política. O objetivo da Constituição é exatamente o de proteger o indivíduo da concentração de poder promovida por instituições que regulam a ação coletiva, isto é, o governo. Infelizmente, nossa Constituição Cidadã não foi concebida com este propósito. Nossa organização em república federativa também não cumpre sua função de diluir o poder do governo e, por isso mesmo, nossa instituição fiscal está cada vez mais distante do bom ladrão.
Nossa preocupação neste trabalho se refere a ação do Estado enquanto regulador, dentro da ordem constituída. Assim, nos concentraremos na ação normativa do Estado, por meio da regulamentação. Em particular daremos ênfase à regulamentação econômica. Na segunda seção, discutiremos os elementos básicos para o estabelecimento de regulamentação econômica. Estes elementos básicos nos conduzirão à delimitação da ação reguladora de modo a preservar-se a liberdade individual e o direito de terceiros. Na seção seguinte, de modo a se compreender o processo de regulamentação são apresentadas as várias correntes de pensamento que procuram explicar a regulamentação, sendo dada ênfase à teoria econômica da regulamentação.
Nas duas seções seguintes são fornecidos alguns exemplos de mal-uso da regulamentação e de que forma, nossa herança institucional tem favorecido o advento de falhas de governo.
2. O papel do estado regulador
Tradicionalmente, as chamadas falhas dos sistemas de preços têm no Estado o agente corretor, por meio da ação do governo. Assim, de um modo geral, externalidades são corrigidas por regulamentos impostos pelo governo, que venham a caracterizar de forma inequívoca os direitos de propriedade dos agentes econômicos envolvidos ou que restrinjam a ação dos usuários de bens de propriedade comum. No Brasil, na maioria das vezes o Estado, por meio da autoridade pública contorna o problema de propriedade comum apropriando-se dos bens, como ocorre com rios lagos e mares. As dificuldades oriundas de indivisibilidades, assim como as dos bens públicos, têm sido resolvidas pela intervenção direta do Governo por meio de concessão regulada de poder monopolístico ou da própria produção dos bens pelo Estado.
Nosso principal interesse neste trabalho refere-se à imposição de regulamentos e normas que venham a cercear a livre ação dos agentes econômicos. Como, pela organização social, cabe ao Governo a definição destas normas, as perguntas: O que? Como? Para quem regular? não podem, inequivocamente, ser respondidas por um sistema de preços. Não há dúvida, entretanto, que por meio do tráfico de influências ou lobby, regulamentações são aprovadas e, de modo geral, têm favorecido a grupos. Como responder às três perguntas, dada a ausência de um mercado formal para a regulamentação? Seria muito simples atribuir-se a um poder superior, o Governo no caso, a responsabilidade de respondê-las. Esta responsabilidade, porém, não pode ser delegada pela sociedade ao governo sem que se cristalize, na sociedade, os limites das ações do Estado enquanto regulador. De modo a orientar essa discussão consideremos cada uma das perguntas que propusemos fossem respondidas pela sociedade, por intermédio do governo, num contexto de regulamentação.
O que regular?
Regulamentação pode ser vista como uma restrição intencional sobre escolhas de atividades, imposta por uma entidade não diretamente envolvida na atividade regulada. Assim, é preciso inicialmente, caracterizar-se o regulador, isto é, quem tem o poder de impor restrições à ação dos agentes econômicos. Isso há que ser feito por meio de legislação específica que caracterize o órgão regulador em todas as suas dimensões. Deste modo, o judiciário quando provocado, é quem controla o regulador. Na caracterização do regulador é preciso conceder-lhe meios para a imposição de tais normas e para exercer um policiamento no que se refere ao cumprimento das mesmas, bem como um sistema que puna aqueles que venham a infringir tais normas.
É importante ter-se em mente que a regulamentação surge de um processo dinâmico que gera uma regra a ser cumprida. Esta regra está associada ao objetivo da regulamentação e, consequentemente, à racionalidade, sob o ponto de vista social, de tal norma, isto é, a necessidade de se ter tal regra. Por isso mesmo Mitnick (1980), definiu regulamentação como sendo o policiamento exercido pela administração pública de atividade privada em relação a uma regra prescrita no interesse público.
Assim, deve a regulamentação ser imposta pelo Governo, visando ao interesse público. O cerceamento da liberdade de ação dos agentes econômicos deve ser mínimo e objetivar, fundamentalmente, a eliminação de externalidades, de concentração de poder seja ele político ou econômico e, a proteção dos direitos de terceiros. No caso de indivisibilidades incontornáveis, a concessão de poder monopolístico deve ser dada segundo procedimentos que permitam uma competição pelo mercado, conforme proposto por Demsetz (1968). Mais adiante voltaremos a essa proposição.
Como Regular?
Uma vez estabelecido o que regular, o processo por meio do qual esta regulamentação se consubstancia deve levar em conta não só os benefícios que poderão advir da perda de liberdade, mas, principalmente, os custos do estabelecimento deste mecanismo regulador. Nestes custos, deve-se incluir não só aquele da burocracia associada ao órgão regulador, mas, também, os custos de informação e os custos de possíveis regulamentos mal formulados. Devemos considerar ainda as reações políticas a favor ou contra o regulamento imposto.
Uma norma imposta à livre ação dos agentes econômicos muda, consequentemente, o ambiente no qual sua atividade se desenvolve criando uma reação favorável ou contra esta norma. Esta reação ocorre num processo dinâmico criando, desta forma, poderes de pressão política, favoráveis ou contrários à norma imposta ou ainda, favoráveis a mudanças nas normas existentes ou criação de novas normas.
Que critérios usar para se definir uma regra específica? Isto é, dados os objetivos da restrição a ser imposta, qual restrição usar? A administração do processo regulador requer que estes critérios sejam amplamente divulgados e que independam da concessão de poder discricionário a um indivíduo. Caso estas duas condições não sejam satisfeitas, por melhores que sejam as intenções ao se estabelecer uma norma, a probabilidade desta norma não atingir o objetivo proposto é bastante elevada. A experiência tem demonstrado que, de um modo geral, os reguladores com algum poder discricionário têm provocado mais mal do que bem na sociedade onde agem.
Ainda com relação à logística de uma regulamentação, a efetivação de qualquer norma deverá considerar os custos de policiamento dos agentes afetados por tal norma, bem como o poder de coerção do órgão regulador, isto é, sua capacidade de penalizar os infratores. Sem dúvida alguma, a predisposição em se garantir o direito de terceiros, implícito em qualquer regulamentação, implica necessariamente, na possibilidade de defesa de qualquer agente considerado infrator.
Para quem regular?
Mantida a premissa sustentada acima, regulamentações visam a contornar problemas de externalidades e proteger interesses de terceiros. Deste modo, regulamentações devem promover o bem comum por objetivarem a eliminação de distorções, no funcionamento livre do sistema de preços associados aos problemas mencionados.
A realidade dos fatos, entretanto, é diferente. Regulamentações têm sido usadas, em nome do bem comum, para promover o bem-estar de pequenos grupos. Isso ocorre com frequência por dois motivos básicos: poder discricionário do órgão regulador e diluição dos custos da regulamentação por toda a sociedade.
De um modo geral, o órgão regulador tanto no Brasil quanto na maioria dos países ocidentais, é investido de poderes discricionários que o autoriza, não só a regular as atividades num determinado mercado, como a alterar tais normas com a frequência que lhe convier. Este poder excessivo induz os agentes econômicos regulados a investirem recursos escassos – que de outra forma estariam sendo usados na produção de bens reais – na promoção de influências sobre os responsáveis por tais organismos, com o intuito de, por meio de normas específicas, promoverem seu bem-estar.[8]
Ainda que se abstenha de considerar as práticas imorais, frequentemente constatadas nos processos de influência, o resultado comum à grande maioria das ações reguladoras dos governos tem sido promoção do bem-estar de pequenos grupos à custa da sociedade. Não poderiam os “lesados” organizarem seu lobbye neutralizar a influência de grupos? De um modo geral, não.
Os benefícios decorrentes de uma regulamentação são normalmente, concentrados em favor de grupos pequenos. Assim, o custo incorrido pelo grupo para promover normas que o favoreça é compensado pelos benefícios decorrentes de tais regras.
Por outro lado, os custos sociais de se promover, pela norma, benefícios para um determinado grupo, são diluídos por toda sociedade, cabendo a cada cidadão uma pequena parcela do custo total. Deste modo, não compensa ao cidadão comum alocar recursos escassos e esforços próprios de modo a organizar um lobbyneutralizador. Neste caso, seus custos seriam superiores aos benefícios obtidos, isto é, a eliminação do privilégio concedido ao grupo.
Assim, poder discricionário do órgão regulador de um lado e concentração de benefícios com diluição de custos de outro, tem explicado o crescente volume de regulamentos e normas que visam a favorecer grupos. É claro que nas justificativas públicas que precedem a implantação destas normas, o bem-estar social é o objetivo ressaltado. Em alguns casos, esta pode até ser a intenção, mas o efeito tem sido o mesmo: benefícios para grupos em detrimento da sociedade como um todo.
Há ainda situações nas quais os reguladores procuram proteger grupos menos favorecidos. O bem-estar dos desamparados é o objetivo. Entretanto, na maioria destes casos, em todos os países, a regulamentação tem sido prejudicial ao grupo protegido. Estes casos ficam bem ilustrados com os exemplos que apresentaremos mais adiante.
3. Para compreender o processo de regulamentação
Embora seja prematuro falar-se em teorias sobre regulamentação, duas correntes de pensamento sobre este aspecto da ação do Estado destacam-se com suas várias ramificações: a teoria do interesse público e a teoria do interesse de grupos. Segundo Posner (1974) estas correntes de pensamento não se constituem em teoria porquanto carecem de formalização que justifiquem o comportamento que produz a regulamentação e além disso possuem reduzida capacidade de previsão. Entretanto, a teoria econômica da regulamentação desenvolvida por Stigler (1971) e formalizada de forma rigorosa por Peltzman (1976) é, em nosso entender, genuinamente uma teoria, satisfazendo às exigências de formalização do comportamento humano nesse particular, com capacidade de previsão e passível de ser testada empiricamente.
Concebida a partir da observação de certas regularidades no processo regulatório, caracteriza-se a teoria econômica da regulamentação como uma teoria de interesse de grupos. Para darmos uma visão mais geral de como regulamentação tem sido considerada pelos cientistas sociais, descreveremos rapidamente as diversas correntes de pensamento que procuram explicar o nascimento e o desenvolvimento de regulamentação para, então, apresentarmos a teoria de Stigler.[9]
Regulamentação pelo interesse público
A teoria do interesse público tem como hipótese fundamental que o processo regulatório responde a pressões públicas de modo a corrigir distorções (inclusive concentração de poder) que não podem ser eliminadas pela ação livre das forças de mercado.
Abstraindo-se da existência de custos na produção de regulamentação, a chamada teoria do interesse público nos leva a concluir que devemos esperar que regulamentação, quando existente, refira-se a situações associadas a externalidades ou a poder de mercado (monopólio, cartel, etc.). Entretanto, observa-se a imposição de regulamentação a indústrias não-concentradas e a situações para as quais não se constatam a existência de externalidades. Isso levou a uma reformulação da teoria do interesse público. Assim, embora em princípio as regulamentações devessem ser aplicadas a situações bem definidas, por incompetência dos órgãos reguladores a intervenção é mal orientada, não cumprindo, portanto, seus objetivos.
Infelizmente, embora conveniente, esta reformulação não nos parece adequada. Em primeiro lugar porque, de um modo geral, regulamentação provoca ganhos para certos grupos, o que pode ser uma indicação de que estas normas foram concebidas para beneficiar estes grupos. Em segundo lugar porque dados os objetivos dos órgãos reguladores não existem evidências de que estes sejam ineficientes.
Como os órgãos reguladores são geralmente mantidos por transferências de recursos de outros órgãos do Estado, sua eficiência, dados seus objetivos, é constantemente posta à prova. Entretanto, no Brasil, não raro o órgão regulador tem como complemento orçamentário as receitas provenientes das sansões financeiras impostas aos regulados infratores. Nestes casos a ineficiência do órgão regulador é em parte protegida pelo exercício de seu poder discricionário, usado na proteção dos interesses de sua burocracia.
Por outro lado, a teoria de que as pessoas responsáveis pelos órgãos reguladores são menos qualificadas, e por isso mesmo trabalham nestes organismos, não tem fundamento.[10]Em geral, dada sua qualificação, estas pessoas recebem uma remuneração monetária menor que aquela correspondente paga pelo setor privado. Entretanto, é importante ressaltar que parte do pagamento das pessoas que trabalham nos órgãos reguladores é recebida em termos de treinamento e retornos não pecuniários. Consideremos apenas o treinamento.
Este treinamento representa um aumento na capacidade de gerar renda no futuro, quando estas pessoas se desligarem dos órgãos reguladores para trabalhar no setor privado, em particular na atividade por elas antes regulada. Assim, embora recebendo menos que seu custo de oportunidade, as pessoas que trabalham nos órgãos reguladores e que de certa forma participam do processo decisório sobre a imposição de regulamentação, têm no treinamento e, por conseguinte, no acréscimo de renda futura, a compensação pelo menor pagamento monetário durante sua permanência no órgão regulador.
Deste modo, ainda que se considerem reformulações à teoria do interesse público, as evidências existentes (de um modo geral grupos bem definidos beneficiam-se de regulamentação) não comprovam a validade da teoria que, diga-se, é mais uma norma para a intervenção do Estado do que uma teoria, porquanto ela não explica o mecanismo por meio do qual a regulamentação é produzida. Passemos à outra corrente de pensamento: a teoria do interesse de um grupo.
Regulamentação pelo interesse de grupo
A hipótese fundamental desta teoria é de que regulamentações econômicas existem de modo a favorecer um grupo específico. Esta corrente de pensamento possui várias ramificações, desde o marxismo, passando pelo cientista político, até uma formulação econômica originária da aceitação das forças livres de mercado. Como é possível que uma teoria abrigue tão distintas tendências científicas e ideológicas? Em primeiro lugar, a teoria do interesse de grupo só possui características de teoria em sua versão econômica. Em segundo lugar, sua hipótese fundamental baseia-se em observações empíricas. Assim, o fato é que grupos se beneficiam de regulamentações, e explicações são formuladas à laMarx, por cientista político e por economista.
A formulação marxista baseia-se na concepção enviesada do sistema capitalista, organizado por grandes firmas que certamente dominariam o processo decisório gerando regulamentações que as favorecessem. Se tal fosse verdade, não observaríamos, com tanta frequência, regulamentações que favorecem pequenos produtores ou ainda grupos de trabalhadores organizados em sindicatos ou associações de classe.
A formulação do cientista político sugere que, embora regulamentações fossem originalmente criadas no interesse público, a partir de um determinado instante, as empresas ou grupos controlados passariam a controlar os órgãos reguladores de modo a se beneficiarem da existência destes controles. Esta formulação é conhecida como a teoria da captura. Infelizmente, não se tem explicação para o processo por meio do qual grupos ou firmas assumiriam o controle dos órgãos reguladores.
A interpretação do cientista político admite que a criação das regulamentações vise o interesse comum, embora em períodos de dificuldades os grupos interessados pressionem e consigam regulamentações que os favoreçam. Entretanto, como economicamente não existe diferença entre lucro não realizado e perda de lucro, não existe razão para admitir-se que estes grupos não procurassem, de forma contínua, explorar seu poder de influência sobre os órgãos reguladores de modo a obterem ganhos extras.
A teoria econômica da regulamentação, desenvolvida e testada empiricamente de forma original e fecunda por Stigler, tem como instrumental analítico os instrumentos tradicionais de análise de mercado: demanda e oferta por regulamentações numa forma particular de mercado.
Como vimos anteriormente, o Estado produz regulamentações e, por conseguinte, a coletividade demanda este produto. Uma vez que os recursos são escassos em uma sociedade, deve-se esperar que os grupos ou pessoas que mais valorizem este produto do Estado mais se interessem em adquiri-lo. Quais os grupos que devem se interessar por regulamentações? Certamente aqueles grupos que maiores benefícios possam extrair destas regulamentações produzidas a certos custos para a coletividade. A teoria dos cartéis pode ser extremamente útil para melhor identificarmos os grupos que mais devem se interessar por regulamentações.
Cartel é uma associação de pessoas ou firmas que de alguma forma procuram explorar um poder monopolístico pela ação conjunta de seus membros. É conhecido que quanto menos elástica a demanda pelo bem produzido ou transacionado pelos elementos que desejam estabelecer o cartel, e quanto maior o custo para novas firmas entrarem neste mercado maiores serão os benefícios gerados pelo estabelecimento de um cartel. Este é precisamente o caso da produção de petróleo. Sua elasticidade-preço é bastante baixa pela simples razão de existirem a curto prazo poucos substitutos. A entrada de novos produtores depende da descoberta de novos depósitos, implicando, portanto, um alto custo para novas firmas participarem do mercado. A ação monopolística está, de um modo geral, associada à fixação do preço de venda do produto com o estabelecimento de quotas a serem produzidas por participante.
A grande dificuldade de se estabelecer e se manter um cartel reside nos altos custos de transação. Para o estabelecimento de um cartel é preciso que se reúnam todos os participantes com o propósito de, digamos, fixar um preço para o produto por eles produzido. Isso pode representar custos elevadíssimos. Note-se por exemplo que as condições para o estabelecimento de um cartel na produção de petróleo já existiam há muitos anos, mas dados os custos transacionais, ele não se efetivou. Com a motivação de natureza política, estabeleceu-se o cartel da OPEP. Assim, os custos de estabelecimento do cartel, neste caso, foram incorridos primordialmente por questões políticas.
Uma vez estabelecido o cartel e acordado o preço a cobrar, é preciso que se mantenha a unidade do cartel, porquanto qualquer firma que burlar o cartel pela redução em seu preço auferirá ganhos extras às expensas das demais componentes do cartel. Deste modo, a manutenção de um cartel resume-se no policiamento do preço cobrado pelos seus participantes. Note-se que tanto os custos de formação quanto os de manutenção de um cartel dependem do número de participantes do cartel. Quanto maior este número, maiores serão os custos.
Agora podemos responder mais precisamente à pergunta formulada anteriormente. Quais os grupos mais interessados nas regulamentações econômicas? Por certo, todos os grupos que possuírem condições de estabelecer um cartel. Pela regulamentação, produto do Estado, é possível a um grupo manter um cartel sem incorrer nos custos correspondentes dado que o Estado incorre nestes custos ao produzir e efetivar regulamentações. No Brasil, este foi o papel exercido, ao longo de várias décadas, pelo já extinto CIP – Conselho Interministerial de Preços.
Assim, a teoria econômica da regulamentação postula que os grupos que podem estabelecer um cartel, mas não o fazem pelos altos custos de transação associados ao seu estabelecimento e manutenção, são os grupos que mais demandam regulamentações. Por outro lado, indústrias altamente concentradas, nas quais algum poder monopolístico já é exercido pelo pequeno número de produtores, não devem demandar regulamentação com a mesma intensidade.[11]Deste modo, a principal finalidade da teoria econômica da regulamentação é explicar o mecanismo pelo qual as regulamentações econômicas são produzidas e quais seus efeitos sobre a utilização dos recursos escassos da coletividade.
Muitos são os exemplos que justificam a formulação da teoria econômica da regulamentação, entretanto poucos são os testes aplicados a esta teoria. Stigler apresenta vários testes estatísticos que confirmam a relevância de sua teoria, especialmente no caso do transporte de carga por caminhões nos Estados Unidos.[12]Ainda que a capacidade de explicação e previsão da teoria de Stigler sejam boas, certos casos de regulamentação aparentemente não podem ser explicados por sua teoria. Estes são os casos das regulamentações associadas aos chamados monopólios naturais e aos casos dos chamados subsídios internos,[13]caracterizados pela cobrança, pelas empresas reguladas, de preços menores a alguns clientes. Entretanto, existem argumentos contrários à ideia de monopólio natural[14]e não é claro quando subsídios internos são concedidos, pois o que se observa (diferentes preços) pode também resultar de uma atitude discriminatória proveniente de um poder monopolístico.
Curiosamente, a solução originalmente apresentada ao fornecimento de serviços sujeitos à indivisibilidade era o de concessão do serviço ao setor privado. Em 1907 a distribuição de gás na cidade de Paris era feita por uma concessionária privada. As instalações pertenciam à municipalidade e a operação do sistema de distribuição era feito por uma empresa, vencedora de uma licitação pública. Solução semelhante foi adotada nos Estados Unidos sendo que a concessão era dada a um preço fixo. Os subwaysde Nova York, Boston e também o de Paris operaram por muito tempo sob o regime de concessão ganha em leilões públicos e sujeitas a um contrato.[15]Note que no caso brasileiro, as chamadas utilidades públicas eram, originariamente, produzidas e distribuídas por empresas privadas sob regime de concessão.
Uma vez que os exemplos comuns na literatura econômica se referem a outras economias, achamos que para efeito ilustrativo seria conveniente citar-se alguns exemplos, para o Brasil, de comportamento face a regulamentações que sugerem a teoria de Stigler. Como nos últimos anos o Brasil vivenciou uma situação de epidemia de corrupção, foram escolhidos exemplos de períodos remotos, uma vez que o leitor poderia não inferir que a norma considerada gerou ganhos para certos grupos, mas sim, que tais ganhos ocorreram em decorrência de corrupção.
Em 1953, os banqueiros pressionaram a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) no sentido de que as taxas de juros pagas pelos bancos aos depósitos à vista e a prazo não fossem mais fixadas por aquela instituição. A justificativa dada era de que deste modo intensificava-se a competição entre os bancos em favor dos depositantes. Infelizmente, não conseguimos obter informações de qual a racionalidade por trás de tal atitude. Entretanto é possível admitir-se que tal atitude foi resultado de uma visão míope dos efeitos daquela liberação. Por certo, cada banco individualmente poderia aumentar seus depósitos a maiores taxas de juros. Porém, a medida em que outros bancos também aumentassem suas taxas de juros pagas, para o sistema bancário como um todo dever-se-ia observar um acréscimo de depósitos pela recomposição da carteira de ativos do público devido ao efeito substituição, sendo que o feito para cada banco isoladamente deveria ser pequeno comparado ao efeito total.
Assim, em fevereiro de 1954, pela Instrução 84 a SUMOC liberou todas as taxas de juros pagas pelos bancos a seus depositantes. Como era de se esperar, a competição entre os bancos provocou um aumento daquelas taxas, acarretando pequenos acréscimos de depósitos para cada banco individualmente. Isso provocou uma reversão de expectativas por parte dos bancos quanto ao efeito da liberação destas taxas de juros e os benefícios de uma maior concorrência entre eles, levando-os a pressionarem a SUMOC para voltar a controlar as referidas taxas de juros. Assim, em outubro do mesmo ano, “devido aos efeitos maléficos desta concorrência”, a SUMOC pela Instituição 105 fixava novamente limites para as taxas de juros pagas a todos os tipos de depósitos bancários.
Não há dúvida de que o sistema bancário brasileiro é altamente concentrado. Nem sempre foi assim. No final da década de 1960, de modo a reduzir as taxas de juros, o Ministério da Fazenda promoveu uma série de incentivos às fusões de bancos. A racionalidade exposta pela autoridade governamental era a de que existiam economias de escala nos serviços bancários. Deste modo, bancos maiores deveriam incorrer em menores custos e consequentemente cobrarem menores taxas de juros pelos seus empréstimos. Sem evidência empírica da existência de economias de escala, a política de promoção de fusão bancária provocou uma alta concentração nesta indústria à custa da sociedade como um todo.
As regulamentações das profissões no Brasil também constituem bons exemplos da teoria do interesse de grupos, na sua versão econômica. Os profissionais liberais são protegidos da competição por restrições à entrada em seu mercado de trabalho. Nestes casos, conselhos profissionais, nacional e regionais, agem juntamente com as autoridades educacionais do País. Os primeiros fiscalizando o exercício efetivo da profissão enquanto que o Ministério da Educação, por meio de seus vários órgãos define currículos que caracterizam o profissional e regulam o processo de sua formação. Engenheiros têm o monopólio da palavra engenharia que só pode ser usada na caracterização de um curso de graduação com sua aprovação. Advogados têm um monopólio constitucional pois sua presença é exigida em qualquer ação legal ainda que as partes definam de comum acordo uma solução para o caso em questão.
Um caso curioso é o da regulamentação da profissão do jogador de futebol. Por alguma razão, o jogador de futebol tem sido tratado de forma especial. As justificativas são do tipo: “Em se tratando de jogador de futebol, é necessário se levar em conta as características todas particulares da profissão, incluída pelos técnicos entre aquelas de brilho efêmero – isto é, com um pico de remuneração elevado, mas de duração pequena.”[16]
Ora, qualquer profissional está sujeito a um período relativamente curto de ganhos excepcionais, isto é, de auferir quase-renda por contingências de mercado ou mesmo por raras habilidades pessoais. Nada há de particular para com o jogador de futebol. Ao contrário, este é o único profissional brasileiro que consegue receber hoje por serviços a serem prestados no futuro: 15% do passe ou remunerações a título de luvas. A razão do alto poder de barganha dos profissionais de futebol no Brasil pode ser explicada por dois fatores. Primeiro, a capacidade da classe (ou segundo alguns, dos empresários dos jogadores) em gerar regulamentações em seu benefício e segundo devido ao fato dos clubes não serem empresas. A primeira razão é evidente pelas regulamentações conseguidas pelos jogadores de futebol cujos benefícios não se comparam aos obtidos por muitas profissões. Como os clubes são organizações sem fins lucrativos, seus dirigentes procuram usá-los para maximizarem suas utilidades e não a utilidade do clube. Assim, os chamados cartolas usando, de um modo geral, os clubes em seu benefício aumentam ainda mais o poder de barganha do jogador, pois o prestígio e os contatos dos cartolas estão associados ao seu relacionamento com os craques que seu clube possui.
4. Uso Indevido da Regulamentação
São muitos os exemplos de intervenção estatal por meio de regulamentações que, implementadas com as melhores das intenções acabam, efetivamente, perturbando o bom funcionamento da economia e penalizando os grupos que originariamente deveriam se beneficiar com a regulamentação. Este é o caso típico da legislação que visa a proteger o trabalhador.
A legislação trabalhista no Brasil, procura, por meio de uma série de impostos aplicados ao uso do fator trabalho, comumente chamados encargos sociais, conceder ao trabalhador, benefícios por meio de plano de aposentadoria e de serviços de saúde, oferecidos a custo monetário zero para este trabalhador e sua família. Além disso, estabelece ainda, segundo preceito constitucional, um salário mínimo. Paralelamente, profissões são regulamentadas no Brasil, de modo a conceder a profissionais de determinadas categorias, privilégios exclusivos.
Aparentemente, a existência de encargos sociais tem produzido mais mal aos trabalhadores do que efetivamente a eles protegido, especialmente àqueles de menor nível salarial. Em primeiro lugar, a contribuição social incide exclusivamente sobre o fator trabalho representando, consequentemente, um imposto ao uso deste fator, induzindo à adoção de técnicas, por parte dos setores produtivos, menos intensivas neste fator que, embora abundante no país, se torna, graças aos encargos sociais, relativamente mais caro.
Além disso, como a contribuição trabalhista é proporcional ao salário, se bem que progressiva até um determinado limite, esta contribuição acaba penalizando relativamente mais, os trabalhadores com salários inferiores a 10 salários mínimos do que aqueles que recebem salários acima deste limite. Entretanto, o que teoricamente é uma injustiça, na realidade não se caracteriza como tal. Dados os elevados custos, em termos de tempo, que têm os trabalhadores e suas famílias, para se beneficiarem dos serviços de saúde fornecidos pelo sistema, aqueles de maiores níveis salariais, raramente se utilizam do sistema oficial.
Ainda com relação ao fator trabalho, a instituição de um salário mínimo tem sido justificada pela proteção que este salário dá aos trabalhadores menos qualificados que, por isso mesmo, seriam explorados pelos seus patrões. Infelizmente, tal concepção de proteção aos menos favorecidos tem, na realidade, implicado numa penalização aos grupos menos favorecidos, justamente aqueles, que se pretende proteger.
Em um período de crescimento econômico, muitas são as oportunidades de emprego, de modo que trabalhadores com pouca ou nenhuma qualificação, conseguem colocação devido à dinâmica do processo de crescimento. Por outro lado, nos períodos de retração econômica, a redução no produto implica, necessariamente, na redução de oportunidades de emprego.
A racionalidade na decisão dos administradores, em um período de recessão, os induz a reduzirem emprego, inicialmente, nas atividades para as quais se obtém oferta de trabalho com facilidade. Apenas eventualmente, trabalhadores com treinamento altamente especifico à empresa serão passíveis de demissão. Isso significa que em uma recessão, os primeiros cortes com gastos com mão-de-obra estão associados às atividades que se utilizam de mão-de-obra não qualificada. Exatamente aquele grupo que se procura proteger por meio de um salário mínimo.
A existência de um salário mínimo em um período de crescimento econômico contribui muito pouco para proteger o trabalhador desqualificado. De um modo geral, a euforia do crescimento, retratada nas oportunidades de emprego, cria um excesso de demanda por quase todos os tipos de mão-de-obra tornando, o salário mínimo, na maioria das vezes, inócuo. Este foi o caso do Brasil no período 1968-73.
Na recessão, dada a necessidade de redução de emprego, o primeiro grupo de trabalhadores a sofrer é justamente o grupo dos não-qualificados. À medida que o processo recessivo se agrava, o desemprego atinge as demais categorias de trabalho com maiores níveis de qualificação. Com o crescimento do contingente de desempregados, as possíveis oportunidades de emprego que venham a aparecer, ainda que para a mão-de-obra não qualificada, terminarão preenchidas por trabalhadores mais qualificados do que a função exige.
De qualquer modo, a existência de um salário mínimo caso este seja efetivo, implica, necessariamente, em desemprego, isto é, mais pessoas estarão dispostas a trabalhar por este salário mínimo do que o número de vagas de emprego disponíveis na sociedade,
Um outro aspecto importante de regulamentação ligada ao mercado de trabalho é a regulamentação das profissões no Brasil. Objetiva tais regulamentações, proteger um grupo de profissionais no sentido de lhes garantir um mercado de trabalho para o qual a entrada não é livre. É evidente que certas profissões devem requerer um mínimo de capacidade técnica dos indivíduos que pretendam exercê-la. Este fato não justifica, entretanto, todas as regulamentações profissionais existentes no país. Como vimos, o que se deve objetivar com a regulamentação é a eliminação de externalidades e a proteção do interesse de terceiros. Uma vez garantida a todos os indivíduos a capacidade legal de acionarem os profissionais que, pela má prática da profissão, os lesarem, teremos preservado o direito de terceiros.
Por certo, os adeptos da regulamentação de profissões mencionariam o caso dos médicos. A má prática da medicina pode acarretar a morte do paciente. Não haverá qualquer ação legal que possa recuperar a vida de um paciente morto. Embora retoricamente interessante, a argumentação não é suficiente, muito menos necessária, para justificar a regulamentação da profissão de médicos. Ainda que esta profissão seja regulamentada em todo o mundo, inclusive no Brasil, pacientes morrem por má prática de medicina.
Nos casos em que o direito de terceiros é garantido por lei, a possibilidade de má prática de medicina é menor, porquanto os médicos incompetentes poderão ser condenados e, consequentemente, perder a sua licença de médico por erros cometidos no tratamento de seus pacientes. Infelizmente, a identificação de má prática de medicina depende do parecer de colegas médicos. A experiência demonstra que raramente um médico estará disposto a depor contra um colega. Isso se deve ao fato de que eximindo-se de julgar um colega, o médico reduz o risco de, eventualmente, vir a ser julgado por outro colega. Isto é, a regulamentação da profissão não atinge o suposto objetivo de proteger os interesses de terceiros. Nestes casos, a regulamentação deve inicialmente promover a quebra deste corporativismo.
Em um sistema no qual as informações sobre a performance profissional dos médicos fossem o mais transparente possível e no qual existisse um risco real de penalização por má prática de medicina, teríamos seguramente um maior bem-estar social do que aquele que possa ser gerado pelo poder de monopólio concedido aos médicos pela regulamentação da profissão. Até poucos anos, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina em um estado da federação, não podia exercer a profissão em um outro estado, no qual não fosse registrado. Tal exercício era cerceado apenas pelo número de registro no CRM.
É muito comum justificarem-se regulamentações que visem a proteger os consumidores. A questão básica aqui é: proteger os consumidores de quem?
O controle de preços tem sido, no Brasil, um dos instrumentos mais utilizados para proteger os consumidores dos efeitos do processo inflacionário. Ora, se o Governo deseja proteger os consumidores da inflação, o Governo pode fazê-lo porquanto ele é o único responsável por este processo inflacionário. Assim, deveria o Governo reduzir ou eliminar o processo inflacionário de modo a proteger os consumidores e não se utilizar do controle de preços.
Duas atividades, altamente reguladas e que têm seus preços controlados pelo governo são os da educação particular e da saúde suplementar. Nestes dois casos as autoridades governamentais, respectivamente MEC e ANS, não só procuram controlar o produto destas duas atividades, mas agem de forma determinante nos seus reajustes de preços. Os efeitos têm sido prejudiciais para as famílias, embora algumas sejam beneficiadas por ações judiciais, principalmente devido à predominância, entre os magistrados brasileiros, de um viés em favor do coitadinho[17].
Por vezes, o controle de preços é estabelecido para proteger os consumidores dos chamados atravessadores. Neste caso, também, seus efeitos são danosos à sociedade. Os malefícios produzidos por controle de preços são tão óbvios que não merecem explicações mais detalhadas. Qualquer dona-de-casa compreende que o tabelamento da carne implica no seu desaparecimento dos açougues ou na convivência com o contrapeso. Controle de preços implica em redução da quantidade e perda da qualidade dos produtos objeto de controle.
Muitas vezes, a regulamentação consubstancia um processo de proteção pela proibição de importação, tarifas sobre importações, reservas de mercado pela restrição à entrada de novos produtores ou prestadores de serviços, subsídios e outras intervenções mais. O Brasil é um país que possui exemplos de todas as intervenções protecionistas imagináveis.
O argumento da indústria nascente tem sido muito utilizado para justificar proteção à indústria nacional. A ideia é que há razões técnicas para se proteger uma indústria que se estabelece, porquanto a indústria nascente não pode competir com a indústria estrangeira, já madura e tecnologicamente desenvolvida. Embora admita-se que tecnicamente tal argumento possa ser aceito,[18]a evidência demonstra que a indústria nascente nunca deixa de engatinhar e, por isso mesmo, a proteção a esta indústria é permanente e não transitória, como o argumento da indústria nascente faz supor. Além disto a evidência empírica para o caso brasileiro indica que as indústrias tradicionais sempre foram as mais protegidas, comparativamente às indústrias mais modernas estabelecidas no país durante o período de substituição de importações, iniciado na década dos anos 50.
Subsídios às exportações foram concedidos, e em certa medida ainda o são, por muito tempo no Brasil. Alguns estudos indicam que em 1975 a exportação de US$ 1,00 pelo Brasil custava ao país, em termos de recursos domésticos, US$ 1,30[19]. É inacreditável que o povo brasileiro possa subsidiar americanos, alemães, ingleses e franceses, vendendo-lhes produtos 30% abaixo dos seus custos. Por certo, os subsídios às exportações foram concedidos nas melhores das intenções. A realidade, entretanto, é de que um povo pobre subsidia povos ricos.
Mais recentemente entrou em vigor uma norma que restringe, por 6 meses, o acesso dos recém aposentados a crédito consignado. A justificativa é proteger o aposentado do assédio de instituições financeiras e assim evitar o endividamento, e via de consequência a inadimplência, do frágil aposentado. Esta tutela temporária pode levar o aposentado a contratar, por necessidade, um empréstimo pessoal a juros mais elevados. Nestes casos, a norma representa um custo para todo recém aposentado que necessite de recorrer a um empréstimo.
Grande parte de nossos esforços legislativo e de regulamentação, além de procurar garantir o direito de terceiros incorpora um viés redistributivo e de favorecimento de certas minorias. Tal esforço, pouco tem produzido em termos de redução da pobreza, mas muito tem gerado de distorção nos mercados e muito tem produzido em termos de fragmentação de nossa sociedade. Como o mecanismo de preços nos mercados promove, de forma endógena e independente do sistema político, uma distribuição de renda, este esforço redistributivo, ao agredir os direitos de propriedade e o princípio da igualdade perante a lei provoca instabilidade no sistema político. Esta instabilidade política coloca em perigo a frágil democracia. Deste modo, a economia de mercado é um pré-requisito para democracia, conforme emerge claro em Usher (1981), uma vez que atribuindo-se ao mercado a função de distribuir renda, a sociedade protege o governo democrático.
5. Nossa herança institucional e as falhas de governo
Sociedades são organizadas em Estados soberanos pelas mesmas razões que os homens de negócios organizam empresas: reduzir custos de transação. Assim, o Estado tem um papel bem definido na organização social. Em uma sociedade na qual liberdade deve ser preservada, é função do Estado prover as condições necessárias para um convívio harmônico, sob o império da lei, entre os cidadãos e para o desenvolvimento das atividades econômicas em mercado livre. Neste sentido, um sistema de direitos de propriedade é indispensável para que estes objetivos sejam atingidos. Na ausência de um sistema de direitos de propriedade bem definido, conflitos sobre os usos dos recursos escassos reduzirão a eficiência econômica dos mercados ou, em alguns casos, impossibilitarão seu próprio desenvolvimento.
O parágrafo anterior destaca a importância dos custos de transação na caracterização dos direitos de propriedade, assim como sua importância para o uso eficiente dos recursos escassos. Pode-se resumir a importância dos custos de transação considerando-se o que aconteceria em uma economia de livre mercado na hipótese de inexistência de tais custos:
- Não existiriam externalidades;
- Recursos (propriedades) seriam usados nas atividades de maior valor para a sociedade, uma vez que custos privados e sociais seriam iguais (ausência de externalidades);
- O uso da propriedade privada (recursos) seria independente da distribuição original dos direitos, desde que tais direitos pudessem ser transacionados livremente.
Estes argumentos foram originalmente desenvolvidos por Coase (1959 e 1960) e são conhecidos como Teorema de Coase, o qual provê parte dos fundamentos para uma sugestão de divisão do trabalho entre o setor privado e o Estado, conforme especificado na introdução deste trabalho.
As instituições brasileiras têm evoluído ao longo dos anos. Entretanto, em um dado momento elas são imutáveis para as considerações dos cidadãos quando do exercício de suas escolhas. Hoje, nossas escolhas estão condicionadas a esta herança institucional. Instituições, nada mais são do que regras sociais, sejam elas escritas, sejam elas resultantes de costumes cristalizados na sociedade. Estas últimas, são tão importantes quanto as primeiras e explicam grande parte dos conflitos atuais do País.
Os brasileiros têm trocado liberdade e direitos de propriedade por proteção do Estado, em uma clara relutância em entrar na Modernidade caracterizada por individualidade, liberdade, incertezas, economia de mercado e democracia como sistema político. De um modo geral, a proteção de curto prazo provida pelo Estado é sustentada por um processo inflacionário e por regulamentações, as quais ao longo do tempo produzem crises recorrentes e mais complexas a cada ciclo.
Inflação foi o recurso usado, no passado, pelos vários governos, para contornar a falência do sistema tributário em atender às crescentes demandas de proteção estatal. Na realidade, o processo inflacionário se alimenta, primordialmente, da predominância de soluções políticas sobre as soluções de mercado para problemas de natureza econômica.
A inflação corrói o tecido social e os valores morais dos cidadãos. Sentindo-se roubado em seu poder de compra gerado por seu trabalho honesto, o indivíduo flexibiliza seus valores morais dando lugar ao levar vantagem em tudo(Lei de Gerson) e a buscar sua sobrevivência no jeitinhoda economia informal e na sonegação fiscal, alimentando o processo inflacionário. Em nome da camada social mais vulnerável, o governo amplia sua ação política em detrimento do mercado aumentando a intervenção estatal e o processo regulatório.
A concentração do poder político é mantida pela distribuição, por grupos políticos, de cargos oficiais na hierarquia burocrática. A burocracia cresce e muito rapidamente promove alianças com grupos de interesse que demandam mais regulamentações e poder discricionário a ser usado em seu próprio benefício. Como os custos desta aliança são difusos na sociedade, mas seus benefícios concentrados, há um forte incentivo para o surgimento de novos grupos de interesse na busca de benesses. A competição por rent seekingaumenta abrindo caminho para corrupção.
De um modo geral, os homens de negócio são favoráveis à propriedade privada e ao mercado livre, com algumas qualificações. A visão dominante do empresariado nacional pode ser resumida por expressões frequentemente usadas, tais como: Lucros são privados, mas os prejuízos são sociais. Competição para meus concorrentes e proteção para meus negócios. É obrigação do Governo prover a sociedade com este ou aquele produto ou serviço.A relutância de uma influente parcela do empresariado nacional em enfrentar as incertezas e os benefícios da Modernidade produz um círculo vicioso de regulamentação econômica – ineficiência – intervenção estatal – concentração econômica – políticas distributivistas – inflação – proteção e mais regulamentação.
O conceito de propriedade privada não é plenamente compreendido pelos brasileiros. Os direitos de propriedade estão dubiamente definidos nas nossas instituições. É suficiente lembrar a imposição do conceito de função social da propriedade que impregna nossa legislação, inclusive a própria Constituição. O cidadão comum identifica os direitos de propriedade apenas em defesa de suas próprias propriedades. Exatamente por isso, o Governo tem agredido com frequência, por meio de regulamentações ou pela imposição de novas leis, contratos legais entre particulares sem que ocorra clamor público por tal agressão.
Para agravar ainda mais os impactos destas agressões, nosso judiciário, responsável por proteger o cidadão sob a égide da lei, também falha. A Justiça brasileira é morosa em suas decisões por inúmeras razões, entre elas se destaca a legislação que caracteriza o processo legal. Um exemplo dramático desta falha emerge claro da tramitação dos processos contra os diversos planos de estabilização que implicaram em frontal agressão aos contratos juridicamente perfeitos e aos direitos de propriedade dos cidadãos brasileiros.
As falhas de Governo resultam de nossa recusa à Modernidade que decorre de uma visão distorcida da divisão do trabalho entre o setor público e os cidadãos (setor privado). O Estado não é visto como uma instituição, mas, sim, como um déspota esclarecido que pode resolver o problema da escassez para todos e cada um, sem nenhum custo. Predomina o paternalismo que produz como subproduto um forte viés contra o setor privado e a propriedade privada. Soluções políticas para problemas econômicos podem ser um caminho fácil a ser seguido no curto prazo, mas representam um agravamento dos conflitos sociais no longo prazo. Esta é nossa herança.
A marca da Modernidade, em uma sociedade, está na liberdade, nos direitos de propriedade e no império da lei (todos são iguais perante a lei). Uma sociedade com estas características favorece os investimentos sejam eles de nacionais, sejam eles de estrangeiros. O World Bank Doing Business Ranking – 2019, é um relatório do Banco Mundial, com dados de 2013 a 2018, no qual são avaliadas 41 condições para o desenvolvimento de um negócio em 190 países[20]. Para cada condição (subfator) é construído um índice normalizado que são agregados em um índice resumo. Com base neste índice resumo, o Brasil ocupava em 2018 a posição 109, isto é, em apenas 81 dos países pesquisados as dificuldades de se fazer negócios eram maiores do que as enfrentadas no Brasil.
De posse de tantos dados para tantos países, os analistas têm procurado comparar os resultados por condição e por índice resumo para países de mesma região geográfica ou mesmo países competidores por investimentos estrangeiros. O próprio relatório apresenta um pouco destas duas vertentes de análise. Aqui, o foco é no Brasil e quais as condições que mais contribuíram para estarmos no terceiro quartil dos países aonde fazer negócio é mais estimulado pelo ambiente nacional. Das condições que contribuíram para a posição ocupada pelo Brasil em 2018 merecem destaque quatro nas quais a posição do País é ainda mais precária: Tributação – 184; Permissão para Construção – 175; Iniciar Negócio – 140 e Registrar Propriedade – 137.
Embora ao longo do período 2013 a 2018 a metodologia usada pelo Banco Mundial tenha variado, neste período o índice resumo médio para o Brasil foi de 54 (metodologia DB 10-14) e seu valor máximo foi de 60,01 (metodologia DB 17-19). Para que o leitor possa ter uma referência, a média do índice resumo dos 190 países em 2018 foi de 83,78. Claro está que não somos um país cujo ambiente seja favorável a se fazer negócios. O quadro ainda é mais dramático ao se examinar a condição Iniciar um Negócio. Para este subfator, apenas 26,3% dos 190 países pesquisados apresentam condições para abertura de um novo negócio piores que as do Brasil. Em nosso País (média ponderada entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro), para iniciar um negócio em 2018 eram necessários 10,6 procedimentos; 20,5 homens-dia de trabalho e um custo de 5% da renda per capita. Não foram registradas diferenças neste indicador para as empresas pesquisadas, fossem elas de propriedade de homens casados (5) ou de mulheres casadas (5).
Evidentemente, a dificuldade de abrir e mesmo manter um negócio é um indicador de que neste país a liberdade econômica é precária. Desde 1986 o Fraser Institutecalcula e publica um índice de liberdade econômica cujo propósito é o de medir em que grau as instituições e as políticas públicas de um país são consistentes com liberdade econômica. O Economic Freedom of the World: 2018 Annual Reportcontém os dados até 2016 e pode ser acessado no sítio do Fraser Institute[21]. Os dados disponíveis têm início em 1970 e seguem de 5 em 5 anos até 2000. A partir deste último ano os índices do EFOW são apresentados anualmente até 2016.
Na Ilustração 1 o índice resumo de liberdade econômica para o Brasil apresenta uma substancial melhora em 2002 e após uma queda abrupta em 2003, este índice apresenta uma tendência crescente até 2010/2011 quando tem sua tendência revertida. É interessante observar a relação entre a taxa de crescimento do PIB e a variação do Índice resumo de Liberdade Econômica.
Ilustração 1: EFOW Brasil – Índice resumo

Para fazer esta comparação, transformou-se o ILE em um número índice que então foi encadeado, com base em 2000. A comparação é apresentada na Ilustração 2 abaixo. A correlação simples entre estas duas variações é de 0,536. Evidentemente há muitos outros fatores que afetam a taxa de crescimento do PIB brasileiro, mas não constitui surpresa o nível da correlação simples entre estas duas variações uma vez que quanto melhor o ambiente de liberdade econômica em uma sociedade, tudo o mais constante, maior deve ser a taxa de crescimento do PIB desta economia e maior o bem-estar de seu povo.
Ilustração 2: Brasil – Variação do ILE e Taxa de variação do PIB

Para que se tenha uma visão relativa da posição do Brasil no conjunto de países considerados a cada ano, a Ilustração 3 apresenta o porcentual de países com um grau de liberdade econômica inferior à do nosso País. Emerge claro que entre 2000 e 2011, o Brasil encontrava-se no terceiro quartil na distribuição dos países segundo seu grau de liberdade econômica. A partir de 2012, caímos para o último quartil da distribuição.
Ilustração 3: EFOW Porcentual de países em situação de liberdade inferior à do Brasil

Por certo, esta perda de liberdade econômica registrada pelo EFOW para o Brasil está associada à contribuição decrescente da parcela correspondente ao Sistema legal e direitos de propriedade. No período 2000 a 2006 a contribuição para o ILE do item Sistema legal e direitos de propriedade é marcadamente decrescente. Entre 2006 e 2011, registra-se uma pequena melhora, mas que não é suficiente para reproduzir o sub índice de 2003. Evidentemente, esta tendência decrescente foi magnificada pelas condições política que dominaram o País no período 2014 – 2016.
Ilustração 4: EFOW Brasil – Sistema legal e direitos de propriedade

Uma reflexão final
Nos últimos anos o Brasil tem padecido de corrupção epidêmica, em grande parte permitida, veladamente ou não, pelo caldo de cultura fermentado no levar vantagem em tudo, na informalidade e no jeitinho brasileiro.Este ambiente levou o cidadão a acreditar que a impunidade era parte integrante de nossos valores sociais. Os desmandos promovidos pelo governo e sua a conivência com as agressões aos direitos de propriedade pelas hordas de sem terra e sem teto, e a fragmentação social gerada pela ditadura do politicamente correto amplificaram, na população, a insatisfação e a apreensão quanto ao porvir. Em 2005, a descoberta de um esquema de desvio de dinheiro público para a compra de apoio de congressistas ao governo do Partido dos Trabalhadores e que ficou popularmente conhecido como Mensalão foi o primeiro grande evento a explicitar, enfaticamente, o segredo de Polichinelo.
O início da Operação Lava Jatoda Polícia Federal, em 2009, com as investigações de lavagem de dinheiro por um deputado federal explicitou a corrupção que havia sido acobertada no Mensalão. A descoberta de que o rei estava nu estimulou a população a tomar iniciativa. O povo foi às ruas protestar e pressionar, primeiro contra corrupção e mais tarde por mudanças. Em 2018 o povo foi às urnas e promoveu a mudança em favor de Mais Brasil e menos Brasília, em mensagem clara que deseja entrar na Modernidade.
A sociedade moderna, na qual pretendemos ingressar, resulta de um longo processo de evolução. Distingue-se das organizações sociais que a precederam por identificar liberdade como valor indispensável à condição humana. Formada por homens livres e sob a égide de três direitos fundamentais – à vida, à liberdade e à propriedade – a sociedade moderna organizou-se economicamente pela instituição de mercados livres e, politicamente por um processo democrático. Esta sociedade só emergiu porque homens de convicção, pelas suas ideias, conseguiram, ao longo dos anos, convencer seus pares dos ganhos que cada um e todos os participantes da sociedade teriam com tal organização.
Sem dúvida, será uma longa e árdua jornada e o novo governo já deu os primeiros passos com a proposta de ajustar as contas do governo. Imediatamente, quando da posse o novo governo, por meio de uma medida provisória, reestruturou a administração pública de modo a reduzir seus custos e torna-la mais funcional. Como o número de ministérios foi reduzido e interesses contrariados a MP, que já tramita na Câmara dos Deputados, enfrenta um ambiente pouco amigável para sua integral aprovação.
O desbalanço das contas públicas foi atacado com um projeto de emenda constitucional para reforma geral do sistema previdenciário a ser seguida, após sua aprovação pelo Congresso Nacional, por uma reforma fiscal que contempla fazer, de fato, do Brasil uma república federativa. Evidentemente, muitos interesses serão contrariados pelas perdas de privilégios que tais reformas implicam. Além destes grupos de interesse, há uma parcela do Congresso Nacional que, por razões diversas, reluta em contribuir para nossa passagem para a Modernidade. Todas estas mudanças estão ou serão propostas em meio a um caldo de cultura e uma conjuntura econômica adversos.
Somem-se a estas dificuldades as falhas de governo na garantia da segurança do cidadão e suas propriedades, assim como na administração da justiça que é morosa e tem gerado insegurança jurídica. Com relação à segurança, o governo já enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei anticrime que estabelece medidas contra a corrupção, o crime organizado e os crimes praticados com grave violência à pessoa. Já a insegurança jurídica que decorre da interveniência do judiciário em contratos juridicamente perfeitos e da imprevisibilidade das decisões dos magistrados, estão fora das atribuições do Executivo.
Fundamentalmente, além da morosidade na promoção da justiça, o maior responsável pela falha do governo em sua função de administrar justiça, está na doutrina adotada por muitos juízes de que como as pessoas são desiguais, elas devem ter um tratamento desigual perante a mesma lei. A cultura do coitadinhoé, em grande parte responsável pela adoção desta doutrina.
Os governos recentes, por meio de políticas públicas, têm procurado promover igualdade econômica entre os brasileiros. Além de um tratamento discriminatório e de um incremento no confisco tributário, tais políticas têm aumentado a dependência de transferências governamentais para uma larga proporção de brasileiros. Pior ainda, tem produzido estímulos para que um maior número de famílias atinja as condições para colher os benefícios de tais transferências, ampliando, desta forma, o número de pessoas dependentes do governo.
Se há um significado claro para igualdade em uma sociedade de homens livres e autônomos, sob um estado democrático de direito, é a igualdade perante a lei. O que parte da magistratura sugere é que essa igualdade não é válida, porquanto as pessoas são desiguais. Exatamente por isso que as políticas de promoção de igualdade econômica acabam por promover distorções, criar ineficiência e reduzir a liberdade, colhendo resultados pífios. O magistrado, partindo de uma premissa verdadeira de desigualdade, contrária à premissa falsa de igualdade do Executivo, propõe um tratamento jurídico desta desigualdade possivelmente mais desastroso que o objetivo de igualdade das políticas públicas.
Assim como em uma economia de mercado o lucro e a falência indicam para aonde os recursos produtivos devem fluir, em uma sociedade, a falência do Estado nos indica que nossos recursos devem ser usados em outra direção, ainda que o Estado tenha o poder de confisco sobre os recursos disponíveis na sociedade. Deste modo, temos que alimentar o Leviatan, ainda que ele esteja falido. Se não podemos escapar do confisco, podemos nos organizar e pressionar para que o Estado cumpra sua parte. O primeiro passo foi dado com a eleição de um novo governo. No curto prazo, a pressão há que ser sobre o Congresso Nacional no sentido de aprovar as reformas necessárias. Precisamos ser mais proativos para superarmos esta crise, caso contrário poderemos caminhar para uma situação de desgoverno, como ocorreu com o Peru nos anos 1980.
A palavra crise se origina do vocábulo grego krisis. Na Grécia Antiga,krisisfoi a expressão cunhada pelos médicos para definir o estado de um paciente após ser medicado. Atendido e medicado, o paciente entrava em estado de krisis, estado este que terminaria com sua cura ou morte. Assim, etimologicamente devemos entender que toda crise é um período de transição que contém dois momentos; um de perda e o outro de oportunidades. A boa administração de uma crise requer minimizar as perdas e tornar realidade as oportunidades que se abrem. Como nos ensina o hino da proclamação da república: Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós e, para concluir, ao final: Seja o nosso País triunfante, Livre terra de livres irmãos!Não percamos a oportunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1]No caso da administração da justiça há fortes argumentos, quanto a eficiência do sistema, contrários à ação do Estado. Historicamente a administração da justiça era mantida por cortes privadas até que os indivíduos e organizações, numa visão míope e por interesses conjunturais, delegaram ao estado tal função. Ver a este respeito Friedman (1973).
[2]Externalidades decorrem do fato de que em alguns casos, as ações de um agente econômico produzem custos ou benefícios para outros sem que o originário da ação pague por estes custos ou seja compensado pelos benefícios apropriados por outros.
[3]Evidências arqueológicas que datam de 6000 anos indicam a existência, na localidade de Lagash (cidade localizada na Mesopotâmia, ao sul da Babilônia), de um sistema tributário organizado para financiar uma guerra contra Umma pelo controle de água. Os coletores de impostos, guerreiros armados, usavam da força para arrecadar recursos para o chefe do Clã (ou rei). Com o fim da guerra, os arrecadadores de impostos perderam sua função, mas se recusaram a abrir mão de seu poder arrecadador. Possivelmente, esta foi a primeira revolução da burocracia.
[4]Os marcos históricos desta conquista ocorreram na Inglaterra com Magna Carta de 1215 (limitava o poder do monarca ao consenso dos barões na fixação do imposto de isenção de serviço militar – scutage.) e com o English Bill of Rightsde 1689 (impostos só se tornariam efetivos se autorizados pelo Parlamento)
[5]O exemplo mais comum na literatura do bem público é a segurança nacional. Ainda que eu não pague imposto de qualquer natureza, por residir num determinado país, me benefício do mesmo grau de segurança nacional que qualquer outro residente. Entretanto, bens públicos podem ser livremente produzidos no mercado, como por exemplo qualquer obra musical ou mesmo um conhecimento científico como o teorema de Pitágoras.
[6]De como as instituições afetam o bem-estar e a prosperidade dos indivíduos em uma sociedade renderam a Douglass C. North o prêmio Nobel de Economia em 1993.
[7]Quanto mais direta for a democracia mais eficiente se torna a ação coletiva. Como de um modo geral prevalece a democracia representativa, sujeita a todos os problemas de representatividade do eleitorado, as escolhas individuais entre as ações públicas e privadas são determinantemente afetadas pelas regras do sistema político.
[8] Esta ação dos agentes econômicos na busca de rendas produzidas por regulamentação (rent seeking) foi estudada pioneiramente por Krueger (1974) e Bhagwati ((1980). Krueger quantifica o total de renda apropriada pelos beneficiários de restrições ao comércio enquanto Bhagwati, num contexto de bem-estar social identifica o uso de recursos de maneira improdutiva para apropriação de renda econômica resultante de regulamentação (directly umproductive profit-seeking).
[9] Para uma visão mais completa do processo regulatório, ver Mitnick (1980). Os principais estudos sobre a teoria econômica da regulamentação foram editados por Stigler (1988).
[10] Consideramos como pessoas responsáveis pelos órgãos reguladores apenas a cúpula decisória que de um modo geral não é formada pelos funcionários públicos de carreira.
[11] Este, por exemplo, é o caso da indústria automobilística nos Estados Unidos.
[12] Stigler (1971) p. 8-9.
[13] Veja Posner (1971).
[14] Demsetz (1968) sugere que não sendo possível ter-se um mercado em competição, que se promova uma competição pelo mercado, isto é, que se faça um leilão pelo direito de concessão da exploração do serviço ou produto sujeito à indivisibilidade. O direito de concessão há que estar bem definido no contrato vencedor do leilão. As normas sob as quais a concessão é oferecida devem levar em consideração os aspectos de eficiência econômica bem como a garantia de direito sobre os ativos de propriedade da concessionária.
[15] Para uma discussão sobre as alternativas de concessão ou produção pelo setor público, ver Dnes (1991). Embora sejam levantadas muitas questões sobre a possibilidade de se administrar, eficientemente, a oferta de serviços sob contrato de concessão, todas as restrições a esta forma de contornar o problema da indivisibilidade podem ser sanadas se o contrato especificar claramente as responsabilidades e os direitos de cada parte.
[16] Werneck, José Inácio. Campo neutro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11, set. 1974.
[17]Para uma análise da atividade educacional, ver Carvalho (1999) e para o da saúde suplementar ver, por exemplo, Alves (2007), Alves (2010) e Cechin- Alves – Almeida (2016).
[18] Para um argumento teórico contrário à proteção à indústria nascente, ver Tuncer e Krueger (1982).
[19] Ver Savasini-Kume (1979).
[20]http://portugues.doingbusiness.org/
[21]https://www.fraserinstitute.org/economic-freedom/dataset?geozone=world&page=dataset&min-year=2&max-year=0&filter=0