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Pendurados no Pincel

Todo mundo sabe que o setor sucroenergético vive uma das piores crises de sua história. E as causas são conhecidas, mas vale a pena tocar de novo nelas.

O etanol feito a partir da cana-de-açúcar pode ser misturado à gasolina (o anidro) ou consumido no lugar dela (o hidratado). Este último só compete com a gasolina se seu preço for até 70% do preço desta. Há quem diga que a qualidade do etanol é tão boa que já se pode usar a marca dos 75% e até mais. Mas fiquemos no número conservador.

As vantagens do uso do álcool como combustível são por demais conhecidas: em primeiro lugar há vantagens econômicas, uma vez que o país não precisa importar mais gasolina. Aliás, entre 2011 e 2013 importamos 8,84 bilhões de litros de gasolina. Como o preço

interno da venda é menor que o preço pago lá fora pela Petrobrás, só nestes 3 anos a estatal teve um prejuízo superior a 2 bilhões de reais. Além disso, estas importações geraram um déficit de U$ 6,79 bilhões para a balança comercial. E essa sangria continua: cada litro de gasolina vendida pela Petrobrás tem um prejuízo novo, e a estatal já perdeu mais de um terço de seu valor nos últimos 5 anos. Tem mais: como o etanol vem dando prejuízo aos produtores, isso derruba o preço do açúcar no mercado internacional, com reflexo nas exportações brasileiras de cerca de 1 bilhão de dólares a menos só no ano passado!

Há ainda o lado social: milhares de empregos online casino desapareceram em toda a região produtora de cana, e não só para os usineiros. Existem 70.000 produtores de cana independentes, os chamados “fornecedores” que, sem receber da indústria preços remuneradores, vão quebrando, demitindo seus funcionários. A própria indústria de equipamentos para usinas já perdeu mais de 30.000 empregos nos últimos 3 anos. É um efeito “dominó” trágico para todo o setor.

A solução para este problema passa pela definição clara, por parte do governo, de qual é o papel da agroenergia (etanol, bioeletricidade, biodiesel, biorefinarias) na matriz energética brasileira. Sem esta clareza, o setor seguirá quebrando, e às escuras, sem rumo.

Isto feito, e supondo que o etanol deva ter um papel de realce por causa de suas conhecidas externalidades (o etanol reduz as emissões de CO2 em até 90% quando comparado a gasolina), o que mitiga as mudanças climáticas e melhora a saúde do povo, por causa de empregos gerados (cerca de 1 milhão), por causa da redução da importação da gasolina, etc, é preciso resolver de uma vez a questão do preço dos combustíveis.

Como o governo, em nome do combate à inflação, controla os preços da gasolina, o etanol perde competitividade. Para compensar isto, há um imposto sobre a gasolina, a CIDE, que chegava a até R$ 0,28 por litro da gasolina pura.

Para reduzir os prejuízos da Petrobras, a cada vez que aumentava o preço

da gasolina, o governo tirava um pedacinho da CIDE, que afinal foi zerada em junho de 2012, há 2 anos. Ora, é evidente que o etanol perdeu competitividade com esta medida, mas ela também não salvou a Petrobras, que continua “sangrando” a cada litro de gasolina vendida no país. E isso teve um efeito devastador na cadeia produtiva. Nos últimos 6 anos, 44 usinas já fecharam, gerando desemprego e consequências desastrosas para os municípios canavieiros. Mais de 60 usinas estão em recuperação judicial e este ano outras tantas entrarão com pedido semelhante. Pode até ser que se a CIDE voltasse, alguma mínima inflação poderia ocorrer, mas afinal, quem paga os prejuízos da Petrobras, quem paga o desemprego e a estagnação nas cidades cuja economia está baseada na cana-de-açúcar? Quem paga os prejuízos da balança comercial, tanto importando mais gasolina do que precisaríamos se usássemos mais etanol quanto exportando açúcar e preços menores?

Quem paga? É a mesma sociedade que eventualmente sofreria com a inflação.

Passou da hora de estabelecer uma política para o etanol. Empresas nacionais e multinacionais vieram ao Brasil atendendo ao chamamento do Presidente Lula, que acreditava em uma nova geopolítica mundial a partir da agroenergia. Vieram e se endividaram para investir e crescer. Agora estão todos pendurados no pincel.

Roberto Rodrigues é Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas e Presidente da Academia Nacional de Agricultura (SNA)

Roberto Rodrigues

Por Roberto Rodrigues

É Coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas 1 e Pesquisador Visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, tem centenas de trabalhos publicados sobre agricultura, cooperativismo e economia rural. Autor de nove livros e co‑autor de diversos outros. Doutor Honoris Causa pela UNESP.

Foi Professor do Departamento de Economia Rural da UNESP – Jaboticabal, e ex‑membro dos seguintes conselhos: da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz – FEALQ, do Conselho Assessor da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, do Conselho Estadual da Ciência e Tecnologia – CONCITE, do Conselho de Administração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo – EAESP/FGV, do Alto Conselho Agrícola do Estado de São Paulo, do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE, do Centro de Conhecimento em Agronegócios - PENSA e do International Food and Agribusiness Management Association – IAMA, entre outros.

Recebeu a Medalha Paulista do Mérito Científico e Tecnológico, a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico, foi condecorado pelo Instituto Agronômico de Campinas e pelo Instituto Biológico de São Paulo. Foi eleito pela AEASP o Engenheiro Agrônomo do ano, em 1987 e Engenheiro Agrônomo da década, em 2004. Recebeu o Diploma de Mérito Agronômico da Confederação das Federações dos Engenheiros Agrônomos – CONFAEAB, em 2001 e a Medalha “Luiz de Queiroz”, da ESALQ, em 2004.